segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Heliodoro

Era uma fumarenta grutinha metade pardieiro, metade fumeiro. Pouco a pouco conforme os olhos iam esventrando o escuro, vislumbrava-se uma fogueira rodeada de pedras e um corpo agachado rente ao natural leito da cova.
Heliodoro fritava numa frigideira preta de uso e com falta de banhinhos, um severo pedaço de carne. A mina tinha-o deixado sem pernas e sem nada para fazer a não ser vaguear no espesso verde da floresta húmida. Só tinha pernas dos joelhos para baixo e os cotos eram irregulares, com mossas aleatórias. Tinha duas pernas de pau e um par de paus arranjados para serem muletas. Percorria a linha férrea de ponto a ponto à procura de restos de suicidas. Havia muitos suicidas e muitas vezes o combóio passava. Heliodoro rapinava os restos e trazia-os para o seu minúsculo lar. Às vezes comia cozido ou assado. E fumava partes para os dias de escassez. Uma bela tarde, cansado do verde e sem paz no seu espírito, Heliodoro encontrou uma arma dentro de um corpo estragado pelo combóio. Depois de uma última refeição de filet nadegueiro fumado destravou a pistola e disparou. E tudo ficou igual enquanto o texto da floresta cobria a sutura da rocha e os restos de carnes. Os abutres da região, esses, passaram a comer melhor e nos seus arrotos exclamativos aclamavam Heliodoro, o canibal.

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